Análise Do Poema Saudade De Clarice Lispector

Reconhecida como uma das mais importantes escritoras brasileiras do século XX, Clarice Lispector fez seu nome ao apresentar obras com personagens minunciosamente construídos de forma bem intimista, apresentando algo que era extremamente atual para época e que se encontra atual ainda nos dias de hoje, cativando todos com a sua escrita que por vezes tinha tendências autobiográficas e em outras mostrava processos intensos de epifania, que surpreendiam os leitores.

Dentre suas obras encontram-se romances, ensaios, contos e poemas, e ela ainda atuou como jornalista no Brasil.

Um de seus poemas é “Saudades”, que foi escrito por Clarice demonstrando um sentimento intenso que muitas pessoas se identificam. Acompanhe o poema completo abaixo:

Saudades, de Clarice Lispector

Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.

Quando vejo retratos, quando sinto cheiros, quando escuto uma voz, quando me lembro do passado, eu sinto saudades…
Sinto saudades de amigos que nunca mais vi, de pessoas com quem não mais falei ou cruzei…
Sinto saudades da minha infância, do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro, do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser…
Sinto saudades do presente, que não aproveitei de todo, lembrando do passado e apostando no futuro…
Sinto saudades do futuro, que se idealizado, provavelmente não será do jeito que eu penso que vai ser…

Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei!
De quem disse que viria e nem apareceu;
de quem apareceu correndo, sem me conhecer direito, de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer.
Sinto saudades dos que se foram e de quem não me despedi direito!
Daqueles que não tiveram como me dizer adeus; de gente que passou na calçada contrária da minha vida e que só enxerguei de vislumbre!

Sinto saudades de coisas que tive e de outras que não tive mas quis muito ter!
Sinto saudades de coisas que nem sei se existiram.
Sinto saudades de coisas sérias, de coisas hilariantes, de casos, de experiências…
Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia e que me amava fielmente, como só os cães são capazes de fazer!
Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar!
Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar…
Sinto saudades das coisas que vivi e das que deixei passar, sem curtir na totalidade.

Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que…não sei onde…para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde perdi…

Vejo o mundo girando e penso que poderia estar sentindo saudades.

Em japonês, em russo, em italiano, em inglês… mas que minha saudade, por eu ter nascido no Brasil, só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.
Aliás, dizem que se costuma usar sempre a língua pátria, espontaneamente quando estamos desesperados… para contar dinheiro… fazer amor… declarar sentimentos fortes… seja lá em que lugar do mundo estejamos.

Eu acredito que um simples “I miss you”, ou seja, lá como possamos traduzir saudade em outra língua, nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.
Talvez não exprima corretamente a imensa falta que sentimos de coisas ou pessoas queridas.
E é por isso que eu tenho mais saudades…
Porque encontrei uma palavra para usar todas as vezes que sinto este aperto no peito, meio nostálgico, meio gostoso, mas que funciona melhor do que um sinal vital quando se quer falar de vida e de sentimentos.
Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis!
De que amamos muito que tivemos e lamentamos as coisas boas que perdemos ao longo da nossa existência…

Com certeza esse é um poema muito bonito e tocante, mas como poderíamos analisar o sentimento que ele expressa?

Análise do Pema “Saudades” Clarice Lispector

O sentimento de saudade é recorrente em qualquer ser humano e por vezes, mesmo sem perceber, sentimos saudades das coisas, de pessoas e do que já vivemos com elas, de sentimentos e de diversas outras coisas.

O texto de Clarice Lispector começa de uma forma bem intensa, nele, ela expressa a saudade que sente de diversas coisas que já viveu o texto trás certa nostalgia sobre a vida a autora, onde ela cita sua cachorrinha e o sentimento entre elas, do seu primeiro amor, de quem ela conheceu e já não está mais presente em sua vida, em suma, pelas palavras da própria autora, de tudo que marcou sua vida. É algo comum e saudável lembrar daquilo que já viveu, reviver em sua mente os momentos felizes que já teve, e reviver também as emoções do passado.

Clarice vai além nesse poema, ela não fala somente sobre o que já foi vivido, a autora diz que sente saudade até do futuro, daquilo que ainda não viveu, de pessoas que não teve a oportunidade de conhecer e daquelas que somente vislumbrou. Nesse ponto ela fala em como sobre autores de nossa própria vida, mas que apesar disso, nem tudo ocorre da forma que idealizamos. Clarice aponta que o futuro é guiado por nós, e o que fazemos hoje será refletido em nosso dia de amanhã, mas ao mesmo tempo ela expressa que muitas vezes, as coisas não devem ocorrer da forma que desejamos, elas simplesmente acontecem da forma que deve ser.

Escritora Clarice Lispector

Escritora Clarice Lispector

É possível sentir por esse texto que devemos nos preparar no presente para que no futuro seja possível sentir saudade do que viveu, e também daquilo que não foi concretizado, pois é assim que funciona a vida, por meio de nossas escolhas conseguimos algumas coisas, mas é a partir delas que também temos que abrir mão de diversas outras. Mas a dica aqui é a seguinte: planeje a sua vida para que você faça as escolhas certas, dessa forma, no futuro, você não irá se arrepender do que perdeu somente sentir saudades da possibilidade que você imaginou.

O texto também aponta que nos brasileiros a saudade é algo recorrente, isso por que, em outras línguas essa palavra não tem tradução. Para Clarice, quando ela encontrou uma palavra para expressar o que significava a dor no peito que sentia em alguns dias, ela passou a sentir ainda mais saudade, afirmando que os brasileiros são mais apegados a tal sentimento, ou que pelo menos, é a palavra “saudade” que melhor expressa à falta que sentimos do que já vivenciamos.

Resumindo, Clarice Lispector escreveu esse texto há alguns anos, mas ao longo do tempo, as pessoas quando leem tais palavras sempre irão se recordar com um tom de nostalgia daquilo que já viveram, e talvez seja esse sentimento que ela quis expressar quando escreveu sobre o tema, falando por meio do que ela vivenciou, ou deixou de vivenciar, mas representando um pouco de todas as pessoas.

A Vida De Clarice Lispector

Clarice Lispector nasceu sob o nome de Chaya Pinkhasovna Lispector na Ucrânia, no dia 10 do mês de dezembro do ano de 1920. Quando ainda era apenas um bebê veio junto da família para o Brasil, fugindo da guerra civil que ocorria no seu país de origem. A família se instalou primeiro em Maceió, depois se mudaram para Recife, e após a morte de sua mãe, foram para o Rio de Janeiro.

Clarice foi uma criança prodígio, que desde pequena começou a se interessar pela leitura, e logo começou a escrever pequenos contos que apresentava em sua casa. Sua mãe passou um período adoecido, antes de vir a falecer, e Clarice escrevia contos para apresentar a ela e alegrar a mãe. Com 13 anos de idade estava decidida que iria se tornar escritora quando se tornasse adulta.

Infância de Clarice Lispector

Infância de Clarice Lispector

Já mais velha, no Rio de Janeiro, Clarice ingressa para uma escola preparatória para a escola de Direito, na qual ela iria ingressar quando completasse 19 anos de idade. Além dos estudos Clarice também dedicava seu tempo a escrever, e cada vez mais seu interesse pela literatura aumenta, em decorrência do interesse pelo direito, que diminuía. Um ano depois conseguiu emprego na Agência nacional, como redatora e repórter.

Na faculdade de direito Clarice conheceu Maury Gurgel Valente, um colega de classe com quem começou um relacionamento. Quando completa 23 anos, no ano de 1943, ela conseguiu a nacionalidade brasileira e então se casou com Maury. Ambos se formaram na faculdade de Direito, mas nenhum dos dois compareceu a colação de grau. Maury já possuía um emprego garantido, era vice-cônsul. No ano de 1944 o marido recebe a notícia que seria transferido para Nápoles para trabalhar na comuna como diplomata. Junto dele Clarice morou na Itália, Suíça, Inglaterra e Estados Unidos. Enquanto estava com o marido ela escrevia suas obras e também trocava correspondências com autores amigos do Brasil.

Clarice Lispector e Maury Gurgel Valente

Clarice Lispector e Maury Gurgel Valente

O casal teve dois filhos, Pedro Lispector Valente e Paulo Lispector Valente. No ano de 1959 ela se separa do marido e retorna ao Brasil com os filhos.

No Brasil ela voltou a trabalhar como jornalista e também a escrever romances. Faleceu no dia 9 do mês de dezembro do ano de 1977, um dia antes de completar 57 anos de idade, devido a um câncer de ovário.

Obras de Clarice e suas Características

Seu primeiro romance lançado foi “Perto do coração Selvagem”, no ano de 1944. Com ele Clarice já conseguiu a atenção da crítica e grande sucesso. Nele é possível ver a sua forma de desenvolver os personagens que estaria presente em suas demais obras, Clarice mostrava a realidade dos personagens através de uma perspectiva intimista, voltada para o psicológico daqueles personagens, mostrando seus sentimentos e suas impressões, dessa forma, o leitor conhece o personagem inteiramente, se sentindo íntimo do mesmo.

Em muitas de suas obras ela misturava um pouco de sua vida, em especial no romance “Felicidade Clandestina” lançado no ano de 1971, onde a autora narra a história de uma jovem apaixonada por livros, e que vivia em Recife, assim como foi à infância da autora. No geral, as suas histórias se passavam em cidades que ela viveu, como Recife e o Rio de Janeiro.

As suas histórias mostravam situações que pareciam banais inicialmente, mas que a partir das descrições dos sentimentos e psicológicas dos personagens se tornam complexas. Ela é considerada uma das criadoras desse estilo literário intimista, onde apresenta a psicologia dos personagens que retratam a vida cotidiana a partir da sua visão, discutindo temas na maioria das vezes abstratos, e sendo o personagem principal o narrador, em primeira pessoa, dentro das histórias sempre a existência da epifania, quando o personagem consegue, a partir de suas ações, descobrirem algo sobre o mundo ou sobre si mesmo.

Algumas De Suas Principais Obras:

  • Perto do coração selvagem (lançado no ano de 1944);
  • O lustre (lançado no ano de 1946);
  • A cidade sitiada (lançado no ano de 1949);
  • A maçã no escuro (lançado no ano de 1949);
  • Laços de família (lançado no ano de 1960);
  • A paixão segundo G. H. (lançado no ano de 1961);
  • A legião estrangeira (lançado no ano de 1964);
  • Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (lançado no ano de 1969);
  • Felicidade clandestina (lançado no ano de 1971);
  • Água viva (lançado no ano de 1973);
  • A hora da estrela (lançado no ano de 1977);
  • Um sopro de vida (lançado no ano de 1978);
  • A bela e a fera (lançado no ano de 1979).

Os últimos dois são livros póstumos, lançados após a sua morte. “Um sopro de vida” é o último romance da autora, e “A bela e a fera” é um livro que reúne contos sobre a vida de Clarice escrita por ela mesma.

Clarice Lispector Nos Dias Atuais

Em dezembro do ano de 2019 completa 42 anos da morte da autora, e 75 anos da data de publicação do seu primeiro romance, pode até parecer bastante tempo, mas a autora continua extremamente atual, e seus livros ainda podem surpreender e fazer novos autores se apaixonarem por seus personagens.

Com o crescente uso da internet e das redes sociais, se tornou comum o compartilhamento de diversas frases e poemas que carregam o nome de Clarice como autora, mas têm sido comuns diversas frases que não são de sua autoria ser compartilhadas como se fossem, o que induzem várias pessoas ao erro e que acabam não conhecendo as verdadeiras obras de Clarice. Por isso, se for compartilhar um conteúdo com a autoria de alguém, verifique sempre as fontes para saber se é realmente pertencente a tal autor.

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